UMA SINGELA FORMA DE ORAR

«Caro mestre Pedro[ref] Pedro Beskendorf, barbeiro de Martinho Lutero, a quem é dedicado o texto Uma singela forma de orar, para um bom amigo.[/ref]! Passo-te minha experiência com a oração e a maneira como costumo praticá-la. Nosso Senhor Deus te conceda e a todos os demais que o possais fazer melhor. Amém.

Em primeiro lugar: às vezes sinto que, por causa de ocupações ou pensamentos alheios, fiquei frio ou perdi a vontade de orar. Pois a carne e o diabo estão constantemente dificultando e impedindo a oração. Nesses momentos pego meu salteriozinho, vou para meu quarto ou, conforme o dia e a hora, para a igreja, misturando-me com as pessoas, e passo a recitar para mim mesmo, oralmente, os Dez Mandamentos, o Credo e, dependendo de minha disponibilidade de tempo, diversas citações de Cristo, de Paulo ou dos Salmos, tudo como o fazem as crianças.

Por isso é bom que, de manhã cedo, se faça da oração a primeira actividade, e de noite, a última. E previne-te muito bem desses pensamentos falsos e enganosos que dizem: Espera um pouco, daqui a uma hora vou orar, mas antes ainda tenho que resolver isso ou aquilo. Porque com esse pensamento se passa da oração para os afazeres que prendem e envolvem a gente a ponto de não mais sair oração o dia inteiro.

Está certo que podem aparecer tarefas diversas, tão boas ou até melhores que a oração, principalmente se a necessidade as exige. Corre um dito atribuído a São Jerónimo: Todo trabalho do crente é uma oração. E há um provérbio que diz: Quem trabalha bem, ora em dobro, o que significa que uma pessoa crente teme e honra a Deus em seu trabalho, e se lembra de seu mandamento, para que não faça injustiça a ninguém, nem roube, engane ou defraude a ninguém. Essa atitude, sem dúvida, faz de sua acção adicionalmente uma oração e um sacrifício de louvor.

Por outro lado, também não é menos verdade que a obra de um descrente é pura maldição, e quem trabalha desonestamente amaldiçoa em dobro. Pois os pensamentos de seu coração durante o trabalho só podem ser tais que ele despreza a Deus, transgride os mandamentos e faz injustiça a seu próximo, procurando roubar e defraudá-lo. Esses pensamentos, seriam eles outra coisa senão pura maldição contra Deus e as pessoas, pelo que sua obra e trabalho também passam a ser dupla maldição? Com isso também se amaldiçoa a si mesmo. Assim finalmente acabam se tomando mendigos e ineptos. Quanto à oração constante, entretanto. Cristo diz em Lucas 11.8 que se deve orar sem cessar, pois é preciso acautelar-se permanentemente contra pecados e injustiça, o que não pode acontecer onde não se teme a Deus e não se tem diante dos olhos seu mandamento, conforme diz o Salmo 1.2: “Bem-aventurado aquele que medita dia e noite na lei do Senhor”, etc.

Mas também precisamos cuidar para não nos desabituarmos da oração, julgando por fim necessárias obras que na verdade não o são, ficando desse modo relaxados e preguiçosos, frios e enfastiados em relação à oração. Haja vista que o diabo, ao nos assediar, não é preguiçoso nem negligente, e que nossa carne ainda está por demais viva e disposta para o pecado, inclinando- se contra o espírito de oração.

Depois de aquecido o coração por tal recitação oral e tendo-se encontrado a si mesmo, ajoelha-te ou fica de pé, as mãos postas em oração e os olhos voltados para o céu, e fala ou pensa tão breve quanto possível:

O Pai celeste, Deus querido, sou um pecador pobre e indigno, que não mereço levantar meus olhos ou minhas mãos a ti e orar. Visto, porém, que mandaste que todos oremos, e ainda prometeste atender-nos, e inclusive nos ensinaste as palavras que devemos usar e a maneira como fazê-lo através de teu Filho amado, nosso Senhor Jesus Cristo, venho obedecer a esse mandamento. E me fio em tua graciosa promessa e oro em nome de Jesus Cristo, com todos os teus santos na terra, como ele me ensinou: “Pai nosso, que estás”, etc., do começo ao fim, palavra por palavra […]»

Martinho LUTERO
Uma singela forma de orar, para um bom amigo (1535),
in Martinho Lutero, Obras selecionadas. São Leopoldo: Editora Sinodal – Concórdia Editora Ltda., 1995, vol. 5, pp. 134-135.

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