Gonçalo Sampaio, Carolina Michaëlis, Carlos de Boeck, Henrique Brunswick, António Emílio de Almeida Azevedo

Carolina Michaëlis

«Outros grandes, do pensamento e da arte de o expressar, eu conheci, mais ou menos demoradamente. A Gonçalo Sampaio, o expoente português talvez mais completo do “self made man” (prefiro escrevê-lo na língua que mais “men” terá ajudado a fazer), ouvi-o em Braga, há meio século, entusiasmado como estava pelo encontro que tivera com a polifonia tradicional do Minho. Foi isso nos dias trabalhosos do início da missão evangélica na velha cidade dos “semiprimazes” das Espanhas.

De Carolina Michaelis, a dama berlinense que foi a maior portuguesa do seu tempo, recebi gentis cartas e pude admirar, numa visita a Coimbra, quando ela aí exer­cia o professorado universitário, a sua nobre presença e bondoso acolhimento. Falecida no Porto onde residia, casada com o famoso e fogoso germanista vigoroso crítico de arte, Joaquim de Vasconcelos, foi o Dr. Alfredo da Silva quem dirigiu o seu funeral, como cristã evangélica, em Novembro de 1925.

Muito antes ouvira eu, em Abril de 1910, na Sociedade de Geografia, o professor da Universidade de Bordéus e huguenote ilus­tre Carlos de Boeck, sobre “a ideia de jus­tiça e de pátria, no Direito internacional marítimo”. Aí, um selecto auditório, de­certo como eu maravilhado com a possibi­lidade inesperada de tornar belo e aliciante um assunto supostamente árido, ouviu-o fazer no final da prelecção, a  aplicação oportuna do texto bíblico: “a justiça eleva as nações, mas o pecado torna miráveis os povos”. Na véspera, este sábio cristão falara na União Cristã da Mocidade do Porto, actual A. C. M., sobre “Democra­cia e Religião”. É sua esta frase aí profe­rida : “Não chamo religião cristã a esta ou àquela denominação, mas à religião baseada no Evangelho”.

Encontros fugases foram esses, mas não tanto o de Henrique Brunswick, com quem convivi na União Cristã da Mocidade de Lisboa, e com quem convivo ainda, em con­sultas proveitosas, por meio do seu precioso sinonimário, hoje com 65 anos e muito raro, aconselhável a todos os jovens evangélicos que não queiram permanecer “analfabetos virtuais”, pela influência da “cultura de quadradinhos” e da assimilação dos livros, somente folheando-os.

Do Juiz António Emílio de Almeida Azevedo, um dos maiores jurisperitos do seu tempo, em Portugal, de quem fui secre­tário num pitoresco inquérito, guardo sau­dosa recordação pela oferta de trabalhos literários seus, entre eles “As Comunidades de Goa” (hoje de particular interesse), livro que lhe deu entrada na Academia das Ciên­cias, apadrinhado por Oliveira Martins. Ouvi-o descrever, com sincero aplauso, em conversas íntimas, o espírito de tolerância que encontrara nos países protestantes, no­meadamente quando, como professor no “King’s College”, viveu em Londres. Dizia que, ao contrário do que sucede nos países latinos, onde se tem prestado culto a uma entidade abstracta, chamada Liberdade, e onde até os livres-pensadores permanecem católicos-romanos (assim o dizia), na Grã-Bretanha encontrou o cultivo das “liberda­des”, concretas e em pluralidade (de cons­ciência, de trabalho, de expressão, etc.). Isto me faz lembrar a afirmação de João Calvino: que a mente do homem é uma oficina que se não cansa de fabricar ídolos.

Não, irmãos e amigos, a Bíblia não é um ídolo; nem Maria, nem Paulo, nem Pedro; nem os elementos sacramentais; nem o homem nem a mulher; nem o “eu” orgulhoso ou o “eu” humilde. Vivamos em adoração do Criador revelado, Salvador presente e Amor constante; vivamos no santo iconoclasmo que essa adoração implica.»

Eduardo MOREIRA
«Rostos que vi, mãos que apertei»
Portugal Evangélico, n.º 522-525, Abril-Junho de 1964, pp. 8-9.

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