- 9 08 2021
- in EFEMÉRIDES
175 anos do Dia de S. Bartolomeu na Madeira
“O DIA DE S. BARTOLOMEU” NA MADEIRA
«No domingo, 9 de Agosto, pelo meio-dia, terminava a missa a Nossa Senhora do Monte, celebrada na Catedral. Um foguete subiu estalando no ar, sinal que marcava o “Dia de S. Bartolomeu Madeirense”, ainda que exageradamente assim chamado. A violência que rebentou em toda a ilha, foi terrível e devastadora. A brutalidade e os archotes foram mobilizados numa cruzada para exterminar a heresia.
A ameaça crescente do antiprotestantismo, durante a semana precedente, só podia ter resultado em desenfreadas violências. Desde o dia 2 de Agosto que ameaças e injúrias atrozes eram dirigidas contra os «calvinistas». Afinal, uma série de ataques foram feitos, começando pelas casas e campos cultivados dos protestantes portugueses. “Todas as noites”, escreve o capitão J. Roddam Tate, um oficial aposentado da Armada britânica, residente na Madeira, “nós sabíamos de algum novo caso de violência e crueldade, até que por fim eles se sentiram na necessidade de buscar salvação na fuga”.
Em Santo António da Serra e Lombo das Faias, as autoridades invadiram as casas dos crentes, altas horas da noite. Soldados aquartelaram-se nas casas donde haviam expulsado os seus locatários hereges, muitos deles mesmo em roupas de dormir. Os soldados e os seus cúmplices saqueavam as casas, matando porcos, cabras e galinhas, banqueteando-se com as provisões dos camponeses que fugiam para lugares escondidos nas montanhas. Mulheres e raparigas sofreram indignidades e os homens foram severamente espancados. Vinte e dois homens e raparigas. tidos como dirigentes do movimento, foram apanhados e metidos numa velha masmorra onde as condições eram simplesmente chocantes.. À semelhança de Paulo e Silas na prisão de Filipos, eles “cantavam hinos a Deus”:
Cá sofremos aflição
Cá, desgostos perto estão,
Mas lá no céu há paz
Oito e nove de Agosto. Foram dias de grave perigo e sofrimento para todos aqueles, que de qualquer forma, estivessem associados ao movimento evangélico. Centenas buscaram abrigo ou esconderijo entre os matagais, nas vertentes das montanhas, onde vagabundearam dias e dias, perseguidos pelos seus inexoráveis inimigos. As autoridades civis perderam o controle sobre as quadrilhas de despojadores, muitos deles convencidos de que estavam cooperando numa cruzada santa contra os hereges. Os protestos dos residentes ingleses e de muitos bons portugueses que estavam horrorizados com o bárbaro espectáculo de fanatismo e terror, não foram atendidos.
A FUGA DO DR. KALLEY
Na manhã de domingo, 9 de Agosto, a senhora Kalley foi conduzida, sob disfarce, a casa do cônsul inglês, que, veio depois a saber-se, na manhã daquele mesmo dia, saiu para a sua casa de campo. Durante a semana anterior o Dr. Kalley fora aconselhado pelos seus amigos e pelo cônsul inglês a deixar a ilha, antes que a sua vida corresse perigo maior. Era já quase tarde demais quando ele atendeu aos persistentes conselhos de seus amigos. Disfarçou-se de mulher doente, e foi transportado numa rede, que era a maneira habitual de então transportar os inválidos, para a quinta dos Pinheiros e, ali, antes que nascesse o Sol, no dia 9 de Agosto, foi posto a bordo do navio britânico «Forth», o qual, providencialmente, tinha aportado na baía do Funchal. Nesse mesmo dia, do convés do navio «Forth» pôde ver uma espessa coluna de fumo e chamas envolvendo a sua casa no distrito de Santa Luzia. Casa, mobília, material cirúrgico e provisões, valiosa biblioteca e insubstituíveis manuscritos foram destruídos naquele holocausto . Pôde ainda observar outra nuvem de fumo que se levantava de todas as Bíblias e publicações evangélicas que foram impiedosamente destruídas pelo fogo, na Praça da República. O hospital foi saqueado e grandemente danificado; muitas das escolas domésticas foram também incendiadas.
Naquela tarde o «Forth» seguiu o seu destino para Trindade nas Índias Ocidentais Inglesas, como estava previsto. Ali o Dr. Kalley e sua esposa mais tarde se reencontraram e juntos seguiram para a Inglaterra.»
Michael P. TESTA
O Apóstolo da Madeira. [S.l.] : Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, 1963.