LUTERO: AS PORTAS DO PARAÍSO

«Comemora-se este ano o V centenário do nascimento de Martinho Lutero. Apesar de ser o grande reformador da Igreja e de ter um papel preponderante na teologia da Igreja Cristã, Lutero é mal conhecido em Portugal.

Poder-se-ia perguntar, aliás, porquê comemorar Lutero em Portugal? E comemorar o quê, o homem, o teólogo?

Abafados por uma Inquisição poderosa e intolerante, os ideais do Reformador foram à nascença abortados em solo lusitano. Figuras proeminentes da nossa cultura sofreram o cárcere, a perseguição e o exílio pelo facto de, de alguma maneira, haver a suspeita de perfilhamento dos ideais luteranos. O humanista e cronista Damião de Góis, denunciado pelo Padre Simão Rodrigues de Azevedo, o humanista e poeta Diogo de Teive, o gramático Fernão de Oliveira, os lentes do Colégio das Artes, entre outros a quem a obscurantista política inquisitorial cerceou os pensamentos, mantendo Portugal um filho fiel do Concílio de Trento e os portugueses ignorantes das novas ideias que percorriam a Europa do século XVI.

País com escassa tradição protestante, Portugal tem de Martinho Lutero e da Reforma uma visão, quando não tendenciosa, pelo menos parcial.

Do Reformador encontramos referências esparsas em obras sobre a Reforma, em histórias universais, em compêndios de história eclesiástica católicos, na sua quase totalidade traduções. Tal como o Lutero de Lucien Fevbre de 1927. Nem sempre, no entanto, o método seguido naquelas histórias gerais é o mais transparente e lúcido, quando não claramente anti-luterano.

E nas escolas, o que se diz de Lutero? Aí também o Reformador não é analisado na sua dimensão plena, reduzindo-se as referências nos manuais a alguns poucos dados cronológicos e algumas referências menos correctas em relação ao seu pensamento.

Perante este panorama, foi nossa intenção contribuir para um melhor conhecimento de Martinho Lutero em Portugal, permitindo ao público nacional, quinhentos anos depois, familiarizar-se com um homem que num dado momento histórico teve uma mensagem a transmitir, e que Portugal vem vendo sistematicamente prorrogado o seu conhecimento. Assim, este livro tentará, conforme já referido, familiarizar o leitor com a vida e a obra do Dr. Martinho Lutero, pelo que esta obra será necessariamente de carácter de divulgação, deixando para os mais interessados a bibliografia apresentada e a sua própria investigação pessoal.

Sem entrar em polémicas e controvérsias, este livro será antes de mais afirmativo, pretendendo claramente promover o debate sobre Lutero e a sua teologia. Livro afirmativo de um homem (não S. Lutero, mas apenas Lutero) e de uma busca de Deus e de uma teologia estritamente baseada na Palavra de Deus.

Será também, conscientemente, um meio de fazer voltar a Palavra bíblica e o seu Autor ao pensamento humano e, ao contrário desta apologia e confiança no Homem que a sociedade hodierna tão comprometidamente agnóstica mantém, colocar o Homem na sua devida dimensão: apenas homem.»

Artur VILLARES
Lutero: As portas do paraíso. Lisboa : Vega, [1984], pp. 7-8.

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