GLORIOSA ORIGEM DO NOME PROTESTANTE

«Em Abril dêste ano, a cidade de Spira, na Baviera, vibrou festivamente, comemorando o quarto centenário da célebre Dieta de Spira.

Reüniram-se ali representantes de todos os povos evangélicos e 80 mil pessoas, idas de vários países. A celebração encerrou-se com discursos comemorativos, um imponente cortejo histórico, e um culto ao ar livre, imponentissimo pela massa popular formidável que lhe assistiu.

Não podia o Protestantismo deixar de celebrar, com entusiasmo, aquela Dieta, na qual teve origem o formidável e invencivel protesto em defesa da liberdade de consciência, e do qual se originou o nome Protestante, pelo qual são, desde então, conhecidos os cristãos reformados ou os Evangélicos.

Recordemos um pouco de história, e ver-se-á como Deus protege Seus fiéis e quanto é honroso o apelido Protestante, a não ser para os que ignoram a história pujante do Protestantismo ou para os que o combatem de má fé, ou ainda para os que procuram ser, talvez, agradáveis ao mundo idólatra, procurando fugir ao nome que mais pode honrar o cristão evangélico.

Valemo-nos de um bem lançado artigo, que sôbre o assunto, publica a óptima revista italiana “Il Testimónio”. É seu auior [sic] o rev. pastor Aristarco Fasulo

LEGENDA ORIGINAL: «Estas gravuras foram-nos amavelmente cedida pela Livraria Evangélica e fazem parte do livro editado por esta casa “Martinho Lutero”.»
FONTE:Retrato de Martinho Lutero datado do século XIX, incluído no artigo.

Diz êle: “a dieta fôra convocada pelo imperador Carlos V, de acôrdo com o Papa Clemente VII, com o fim de anular todos os direitos e a liberdade concedidos aos Reformados, tres anos antes, numa Dieta, que teve logar também em Spira. (1526).

Misteriosos e grande, porém, são os caminhos de Deus! (Is. LV: 8-13). A decisão de se suprimirem as liberdades religiosas nascidas com a Reforma, na Alemanha, chegou muito tarde, quando já não era coisa fácil realizá-la. E êsse atrazo foi precisamente devido ao papa Clemente VII, que, anos antes, impedira que Carlos V se dedicasse à extirpação do movimento reformista – em tempo quando ainda estava êle em comêço, não tendo tido, portanto, tempo para consolidar-se.

Recordemos algumas datas: em 1517 publicou Lutero as suas famosas 95 téses, que acenderam o grande fogo da Reforma. Em 1521 teve êle de apresentar-se perante a Dieta de Worms, presidida pelo imperador e composta pelos mais altos dignatários do Império e da Igreja. Dessa dieta êle saíu condenado, mas foi milagrosamente salvo e esteve guardado secretamente, num castelo do Príncipe Eleitor da Saxónia. Em 1525, Carlos V vence, em Pavía, e definitivamente, seu êmulo, Francisco I, rei da França.

Tendo ficado único senhor da Itália e sem competidor na Europa, tinha Carlos V as mãos livres para sufocar a Reforma, ainda em organização. Por isso, resolveu passar à Germânia, para, como êle dizia, “acabar com a seita dos Luteranos”.

Se probabilidade havia de se realizar o que desejava o imperador, aquela ocasião era o momento preciso, porque, como já vimos, Carlos tinha as mãos livres, a Reforma estava, pode dizer-se, nascendo, não estando, por isso, em condições de resistir à vontade do protestantismo soberano.

Pode imaginar-se o desânimo dos Reformados que se viam frente a frente com um obstáculo que lhes devia parecer tão intransponível, como às santas mulheres do Evangelho se afigurava impossível abrir, com suas debeis mãos, a sepultura de Jesus, pelo que interrogavam: “Quem nos removerá a pedra do sepulcro?”.

Mas, assim como às santas servas de Deus veio o socorro inesperado, também aos Reformados veio o auxílio imprevisto – e de quem êles não podiam, nem por sonho esperar: do papa Clemente VII!

De facto, o pontifíce, preocupado e amedrontado pelo enorme sucesso do imperador Carlos V, (que, vencida a França, ficaria sendo o único senhor da Europa e da Itália) esqueceu por algum tempo a Reforma, levado pela preocupação de crear dificuldades e embaraços ao imperador, para diminuir-lhe o poder.

Para tanto inspirou e constituiu êle a chamada “Liga Santa”, de Cognac (1526), da qual fizeram parte o Estado Pontifício, a França, a Inglaterra, Veneza, e outros Estados italianos, que se alinharam contra o imperador. De maneira que Carlos, que se considerava desembaraçado de inimigos, vê surgirem outros.

Furioso com a traição do papa, enviou seu exército à Itália, sob as ordens do Condestável Bourbon e, em vez de suprimir a Reforma, como era seu plano assentado, deu liberdade religiosa aos evangélicos. Bateu fàcilmente o exército da Liga e enviou tropas a Roma, para castigá-la.

Essa cidade foi conquistada, e seguiu-se um tremendo saque, que durou muitos dias e tudo devastou (1527). Os saqueadores constituiam as tropas do catolicissimo imperador, do mais feroz inimigo dos Cristãos Reformados. Eram tropas espanholas, italianas e tedescas…

O que resultou de tudo isso foi o seguinte: durante alguns anos viu-se o imperador forçado a estar ocupado na Itália, por culpa do papa Clemente VII, de sorte que, durante êsse tempo, a Reforma esteve desafogada, e pôde estender-se mais e se organizar, consolidando-se mais fortemente. Entrou e avançou em novas províncias e Estados, tendo-se firmado solidamente na Germania. E dest’arte, ficava em condições de apresentar um forte partido, com que se defender.

Dizia Eurípides: Quos vult Jupter perdere, dementat prius [ref] A citação contém um erro gráfico em «Jupiter». A frase Quos jupiter vult perdere dementat prius é a tradução latina de uma locução grega, atribuída a Eurípides, que significa Os que deseja Júpiter perder, enlouquece-os primeiro.[/ref]. Essa sentença bem poderia ser aplicada ao caso acima.

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Em 1528, Clemente VII fez novamente as pazes com o imperador. Mas, motivos diversos entreteem-no ainda na Itália e Florença havia restaurado as liberdades republicanas, tendo expulso seus senhores, da família Medici, à qual pertencia o próprio papa. Êste obtem o auxílio do imperador para dominar Florença, contra cujo heroísmo se teriam, provavelmente, desfeito as proprias armas imperiais, se a traição não tivesse frustrado os tesouros de abnegação, de tenacidade, de inteligência, de amor pátrio, e de coragem civil de que aquela cidade insigne era ornada.

E assim, outro periodo transcorreu, de sorte que, só em 1529 é que Carlos V convocou de novo a Dieta de Spira, com o fim de impedir e rechaçar a Reforma.

Mas, agora já era muito tarde e, se bem que êle (apoz a queda de Florença e a paz completa com Clemente VII, que o coroõu rei da Itália, e imperador em 1530) se lançasse à obra com todo o pêso da sua vontade, do seu indiscutível génio e do seu ilimitado poder – não conseguiu senão produzir dores e devastações entre os Reformados, sem nada alcançar de positivo porque, quando, afinal, cria estar seguro do seu propósito e se deixava estar pacifícamente em Insbruk, a vigiar o Concílio de Trento, teve de fugir e ceder todos os frutos dos seus trabalhos, porque o seu generalissimo, o principe Maurício da Saxódia [sic], de acôrdo como todos os chefes, rebelou-se e impôs-lhe a restituição dos Estados, bens e direitos aos Reformados, de maneira que as cousas fossem repostas nos seus antigos logares.

Mas… voltemos à Dieta de Spira. O partido católico, que estava ali em maioria, e tinha a certesa de contar com o imperador, mostrou-se intransigente desde o principio. Pensavam os partidários do papa que era chegada a hora de suprimir o movimento reformista evangélico. Por isso êsse partido foi para a Dieta com espírito afoito e arrogante.

Os membros reformados da Dieta (cinco príncipes soberanos e quatorze representantes de cidades imperiais) foram, desde o princípio, objecto de escárneo e de vozes ameaçadoras que se ouviam de todos os lados.

Mas, alheios a toda a atitude provocadora, êles não se curvaram, não cederam. Sendo a época das festas pascais, no Domingo de Ramos, (a despeito da proibição dos católicos), os evangélicos realizaram duas reúniões, uma de manhã e outra à noite, na habitação do Eleitor príncipe da Saxónia, às quais assistiram oito mil crentes.

Entretanto, a Dieta de Spira iniciou os trabalhos, revelando, logo de princípio, os sentimentos de que estava animada: a maioria pretendia suprimir a liberdade de culto e pôr novamente em vigor os decretos de Worms (1521), que haviam banido do Império a Fé Evangélica, sem ter em conta que (na Dieta precedente, em 1526, e por ódio à “Liga Santa”) todas as liberdades haviam sido concedidas aos Reformados, de sorte que estes tinham podido crescer e fortificar-se.

Entretanto a Dieta discutiu e aprovou algumas decisões que julgava ainda exequíveis, especialmente relativas a alterações em matéria religiosa introduzidas pelos príncipes e autoridades evangélicos, nos seus Estados e Cidades.

Decretou a Dieta que tôdas as modificações feitas em favor do culto reformado e em detrimento do católico eram ilegais e que, por isso, deviam voltar ao seu antigo estado. Apesar da oposição dos Reformados, a Dieta decretou que nos Estados e Cidades de maioria católica continuassem em vigor os decretos de Worms (1521), os quais aboliam completamente o culto evangélico.

Ao contrário, nos Estados que haviam passado à Reforma deixava-se limitada liberdade de consciência – sómente àqueles que já haviam abandonado o catolicismo. Mas, daquele momento em diante, ninguém mais podia passar para a Fé Evangélica; ficava proïbida a propaganda evangélica; as funções católicas seriam livres nos Estados e Cidades evangélicos e as rendas eclesiásticas ficariam intactas, até à reünião do Concílio.

Em suma: tolerava-se apenas que vivessem como pudessem os que já se haviam convertido à Igreja Reformada; mas, tolhia-se-lhes toda a liberdade de culto público, de propaganda, de expansão. Era um meio de conduzir a Reforma à morte, em poucos anos; porque uma Fé que não se expande, que não se propaga, està condenada a morrer.

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Os cinco príncipes evangélicos, à frente dos quais estavam o Eleitor João, da Saxónia e o Landgrave Filipe de Hesse, e os quatorze representantes das Cidades Reformadas, formularam, então um protesto, que consignaram aos comissários do Imperador, depois de o terem lido perante a Dieta.

Nesse protesto (depois de terem apelado para os seus direitos incontestáveis de cidadãos, direitos que tinham sido solene e unânimemente reconhecidos pela Dieta anterior, 1526) êles declaram peremptòriamente não poderem aceitar nem se submeterem às decisões desta nova Dieta, por motivos, acima de tudo, de consciência: “Porque, diziam, trata-se da causa da glória de Deus, e da salvação das nossas almas, que terão de comparecer perante o Juízo de Deus, cada uma por si mesma. Se nós negarmos o nosso Senhor, Êle também nos negará a nós”.

Ainda mais, declaravam no protesto que jamais poderiam os Reformados aceitar artigos que proïbiam a propaganda religiosa e, mais ainda, os artigos que impediam que os cidadãos convertidos passassem para a Igreja Evangélica: “De que delito, diziam, nos faríamos cúmplices se aceitassemos tais decisões! Nós temos que colher as almas que Deus despertar à fé! Declaramos, pois, que não podemos aceitar o jugo que nos querem impor e que consideramos nulas as decisões tomadas nesta Dieta”.

Tão firme atitude muito impressionou tanto a Dieta como o público.

E foi dêsse protesto apresentado com tão inquebrantável dignidade, por homens que sabiam de antemão os graves riscos a que se expunham, (mas que se entregavam nas mãos de Deus, como já fizera Lutero, em 1521) que nasceu o nome Protestantes dado, desde então até hoje, aos Cristãos Evangélicos!

“Como se vê (diz o pastor protestante Aristarco Fasulo, ilustre pastor Baptista, na revista italiana, também Baptista, “Il Testimonio”), Protestante é um título de nobilíssima origem”, e acrescenta: [“]Se os representantes evangélicos da Dieta de Spira, pertencessem às classes dos tipos moralmente invertebrados, ter-se-iam declarado satisfeitos por poderem conservar a sua fé, desinteressando-se inteiramente dos outros”. E teriam, dizemos nós, engulido as decisões da Dieta.

“Mas aqueles homens, diz ainda o pastor Baptista, convertidos ao Evangelho de Cristo, homens, portanto de consciências iluminadas e firmes, preferiram incorrer nas iras do imperador e do partido católico. E quanto, e por quantos anos, tiveram êles de sofrer a ira imperial, a começar pelo príncipe da Saxónia e o Landgrave de Hesse! E tudo para não traírem aqueles princípios – que ainda hoje mesmo nos países católicos, são considerados “conquistas insuprimíveis dos tempos modernos, isto é: a liberdade de consciência, de culto, e de propaganda”.

 “Glória! Bênção à memória dêsses homens! Êles sofreram tudo o que era possível ao homem sofrer, quando mais tarde Carlos V se atirou contra êles, com a fôrça tôda do seu poder, chegando-se até a privá-los dos seus bens e da liberdade de viver.

“Mas, através das suas lágrimas, angústias e sacrifício, os seus princípios de liberdade foram mantidos cheios de vitalidade e, contribuindo para a formação dos Estados modernos, para o alevantamento da cultura e da civilização!”.

E o ilustre pastor Baptista fecha o seu belo artigo com estas memoráveis palavras: “Que nos chamem protestantes também! Embora nosso nome seja o de Cristãos Evangélicos – nós nos sentimos sempre honrados em assumir êste título glorioso de protestantes! È o nome que recorda provas dolorosíssimas, a alta dignidade humana, a feroz tenacidade dos cristãos de há quatro séculos, os quais, com seus sofrimentos, abriram a porta às sucessivas liberdades, de que germinaram tôdas as formas mais nobres da vida moderna!”

E nós imitando S. Paulo, podemos dizer: “Não me envergonho do nome protestante porque êsse título é um munumento à memória daquêle pugilo de crentes que, há quatro séculos, salvaram para sempre tôdas as liberdades de que hoje gozamos!”

Paschoal PITTA
«Gloriosa origem do nome protestante»
Portugal Novo, 1 de Novembro de 1929, Ano II n.º 42, pp. 1, 3.

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