9 de Abril – Comemorando

«Celebrando-se no próximo dia 9 mais um aniversário de catástrofe da Flandres, não podemos deixar passar tão triste data sem fa­zer algumas considerações, ainda que muito rápidas.

Ao recordarmos o 9 de Abril, não podemos deixar de recordar também: S. Mamede, Arcos de Val-de-Vez, Aljubarrota, Montes Cla­ros, Castelo Rodrigo, Ameixial, Roliça, Vimieiro, Bussaco, Torres Vedras, e tantas outras batalhas, em que o sangue português profu­samente derramado, serviu para escrever a carta de fôro de Portugal. Mas lembramo-nos também, e com profunda mágua, de Tanger e Al­cácer Kibir, onde o brio nacional for rudemente ofendido.

São recordações que andam ligadas, umas trazem as outras, e ficamo-nos por vezes meditando na História Pátria, relembrando estes factos e tirando lições de nobreza e lealdade.

O desastre de Tanger dá-nos uma das mais sublimes lições que a história dos povos nos aponta; o exemplo do Infante D. Fernando oferecendo-se como preço da liberdade do que restava da expedição.

Outro tanto não succede com Alcácer Kibir, onde, se é certo que os mouros eram em número superior a dez vezes os nossos, tam­bém é certo que houve incúria e estouvamento da parte de um rei criança e inexperiente, mal orientado pelos seus conselheiros, que, se o rei insistia, tinham o dever, como homens envelhecidos nestas pug­nas, de insistir também na oposição a tal loucura, que foi um dos importantes passos para a perda da nossa independência. Os portu­gueses sempre se bateram com inimigos mais fortes e poderosos, e isso não os impediu, salvo raríssimas excepções, de marcar bem claro e firme, o vínculo da Pátria. Não foi o facto de serem 150000 mus­sulmanos contra 12000 portugueses que nos trouxe o desastre de Al­cácer Kibir.

Respeitemos esses nossos irmãos de que nos fala a história, como tendo luctado por deixar-nos um País independente e com tradições belas.

Respeitemos igualmente os nossos irmãos que foram bater-se nos campos da França, não por defender o solo pátrio, mas por manter a integridade duma raça que se via ameaçada.

O insucesso da Flandres não ofusca o brio português, porque as causas que a motivaram, e não as vamos discutir, não representam cobardia, ou fraqueza da raça lusitana. Não. Os exemplos de heroicidade ali se patentearam como nos tempos idos.

Mas hoje, que uma duzia[ref]À data em que é publicado este texto, passava uma dezena de anos sobre a Batalha de La Lys e não uma dúzia.[/ref] de anos é passada, e que, esquecidos os ódios de momento, nos ligam relações de amizade com aquêles que então combatíamos, lembremo-nos, com saúdade sim, mas com orgulho também, daquêles que derramaram o seu sangue longe das suas famílias.

Como respeitá-los porém?

Fazendo uma parada? Depondo flôres junto do monumento dos mortos da grande guerra? Discursando? Pode ser assim, e é bom que seja, porque estas comemorações alimentam a chama do amor pátrio nos velbos, é acendem-na nos novos. Porém só isto não basta. É preciso muito mais.

É preciso que todas estas comemorações, não sejam imediatamente esquecidas, que delas se não saia como quem sai de um es­pectáculo, mas que sintamos no íntimo o desejo de fazer alguma coisa de grande também, como o fizeram os nossos compatriotas que estiveram na guerra. É preciso que cada um compreenda a necessi­dade de continuar a obra iniciada. Quando das luctas do tempo de Afonso Henriques, das Guerras da Independência e da Restauração, a alma nacional vibrou unisona no desejo de se libertar. Há cem anos, nas luctas contra as legiões de Napoleão, ela volta a vibrar no mesmo sentido, e por isso vemos o pequeno e enfraquecido exército português vencer aquêles que o mundo ainda não tinha vencido.

Em todos estes casos encontramos sempre a uniformidade de con­vicções, e a persistência de ideais. É por isso que o pequeno e esque­cido povo português, tem sabido dar belas e sublimes lições. É pre­ciso que hoje outro tanto suceda, trabalhando todos por manter a integridade do País, fazendo ver ao mundo, não que somos aguerridos, mas que temos uma moral sã, uma nobreza de princípios firme, uma vontade única, um nacionalismo defenido.

É tempo de o mundo se deixar de guerras, ou sejam entre povos, ou intestinas, lancemos também na fogueira dos ódios a água necessária para a extinguir, trabalhando ao mesmo tempo por edificar o que ainda não está de pé e por reconstruir o que foi demolido.

Lutemos todos, não por mesquinhos ideais-políticos, ou por interesses próprios, mas por colocar Portugal no seu lugar de destaque que já teve.

É esta a melhor maneira de respeitar a memória dos nossos queridos Mortos.»

Belarmino BARATA
«9 de Abril – Comemorando»
Portugal Novo, 8 de Abril de 1928, Ano I, n.º 4, p. 1.

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