- 25 09 2018
- in OBITUÁRIO
João Aníbal Coelho Pinheiro (1933 – 2018)
João Pinheiro nas instalações da Sociedade Bíblica
FONTE: Arquivo Sociedade Bíblica de Portugal
João Aníbal Coelho Pinheiro descende de uma das mais antigas e ilustres famílias do protestantismo português e, durante toda a sua vida, soube honrar esse legado trabalhando incansavelmente na afirmação da Fé Evangélica. Por via materna, transportou os genes do avô que lhe deu o seu primeiro nome próprio (o segundo viria do pai): João Oliveira Coelho. Autodidata, porém homem de cultura e saberes imensos, Oliveira Coelho, natural da Figueira da Foz, viu os seus méritos e serviço cidadão reconhecidos pela fixação do seu nome na toponímia dessa cidade litoral. Foi ainda no séc. XIX que o adolescente de 14 anos encontrou em casa um exemplar do Novo Testamento: a novidade dessa leitura viria a transformar por completo a sua vida. Entre a Figueira da Foz e Lisboa, João Oliveira Coelho, assumiu-se um dos mais insignes líderes da nascente Igreja Congregacional em Portugal, a principal denominação evangélica à época. Da sua aljava sairiam filhos e filhas que mantiveram e expandiram o fervor evangelístico do figueirense ilustre: Lídia, a filha mais velha, que viria a casar com o suíço Robert Dubois, tornando-se ambos missionários no Egito e depois no Canadá; João Calvino, o primeiro missionário português da Ação Bíblica, que exerceu a sua ação no Algarve; Emília, que casaria com Custódio Santos, mais tarde sogro de Augusto Esperança, pastor presbiteriano, também recentemente falecido, por via da filha Felícia, fruto de um primeiro casamento de seu pai com a filha do bispo Fiandor da Igreja Lusitana; Eugénia que, juntamente com Aníbal Pinheiro, também ele um empenhado pregador e escritor evangélico, viriam a ser pais de João Aníbal.
João Pinheiro
FONTE: Fotografia cedida por Maria Emília Marques (pormenor)
Embora nem João Oliveira Coelho, seu avô, nem Aníbal Pinheiro, seu pai, tenham pertencido à Ação Bíblica em Portugal, a vida de João Pinheiro, nascido em Lisboa a 1 de junho de 1933, entrecruza-se inevitavelmente com o desenvolvimento deste movimento e destas igrejas, estabelecidas no nosso país a partir dos anos 1920, muito por iniciativa do avô Coelho, na Figueira da Foz. À Ação Bíblica, João Pinheiro viria a pertencer até ao fim dos seus dias. Ainda muito jovem, procurou com esforço e empenho a sua formação académica superior, que viria a concluir em 1959 com uma tese de licenciatura em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, intitulada Expressão da Cor em Eugénio de Castro. Todavia, não descurou igualmente a sua formação teológica, obtida na Ecole Biblique de Genève, na Suíça, entre outubro de 1959 e julho de 1961. Nessa mesma escola estudara, entre 1958 e 1959, a sua noiva, Henriette Anice Diogo, portuguesa nascida em Marrocos, também ela futura professora. Consorciaram-se na Suíça a 10 de agosto de 1961 e naquele país permaneceram alguns anos, onde iniciaram a sua atividade como professores. Do casamento, nasceria ainda na Suíça a filha de ambos, Ana Cristina, também ela, mais tarde, professora. De regresso a Portugal em 1964, fixaram-se na cidade de Faro, no Algarve, desenvolvendo juntos profícua atividade como colaboradores regulares da Ação Bíblica durante muitos anos.
João Pinheiro foi um homem de multifacetada atividade. Desempenhou a sua carreira profissional com excelência, como professor do ensino liceal, mais tarde secundário, tendo iniciado a docência ainda em Lisboa, no Liceu Pedro Nunes. Foi, porém, em Faro que viria a ser reconhecido pelos seus pares como um pedagogo notável, sendo durante vários anos Orientador Pedagógico junto à Escola Superior de Educação local. Foi igualmente um cidadão empenhado em causas políticas e sociais, chegando a concorrer à Câmara Municipal de Faro, como número um nas listas do Partido Socialista, nas eleições de 1982. Não tendo sido eleito presidente manteve, todavia, ação relevante como vereador.
Casamento de João Pinheiro e Henriette Anice Diogo a 10 de Agosto de 1961
FONTE: Fotografia cedida por Maria Emília Marques
No campo evangélico teve também uma atividade transversal e abrangente. Para além do já referido empenho no trabalho da igreja Ação Bíblica, cedo se dedicou à escrita e produção de material com base bíblica, designadamente as publicações periódicas Mensagens de Amor de Deus, fundada em 1973, e Palavras de Edificação, Exortação e Consolação, um bimensário iniciado em 1977. Em meados da década de 70 do século passado, participou num dos que viriam a ser um dos maiores empreendimentos da sua vida: praticamente sozinho, realizou a tradução para português da versão bíblica que na nossa língua se intitulou O Livro: A Bíblia para Hoje, que surgiu em 1981 na coleção de livros de bolso das Publicações Europa-América, apenas o Novo Testamento, e em 2001, já com o texto completo da Bíblia, em edição da Sociedade Bíblica com a colaboração do Núcleo – Centro de Publicações Cristãs. Ainda este processo estava em curso, quando iniciou a sua participação num outro projeto de tradução bíblica: entre 1999 e 2009 integrou a comissão de tradução da Sociedade Bíblica, que nessa altura revia a tradução interconfessional em português corrente, no que veio a dar origem à Bíblia para Todos, em 2009. Para além de ter participado em quase todas as reuniões de trabalho desta comissão, o que o obrigava a deslocar-se amiúde de Faro a Lisboa, teve ainda como encargo a revisão linguística e estilística de todo o texto bíblico desta tradução.
Ainda na Sociedade Bíblica, desempenhou funções de vice-presidente da Direção entre 1995 e 2005. Quando em 2003 faleceu o então presidente da Direção desta organização, o juiz-conselheiro José Dias Bravo, João Aníbal Pinheiro assumiu interinamente as funções de presidente desse órgão por quase dois anos. Manteve-se no governo da Sociedade Bíblica até 2012, tendo participado na cerimónia de apresentação do novo texto da Bíblia O Livro, em novembro de 2017. Uma das causas a que mais se dedicou foi a da educação moral e religiosa evangélica nas escolas públicas. Membro fundador da Associação de Professores Cristãos Evangélicos, acompanhou todas as diligências junto das autoridades governamentais para que fosse conferido o direito de os alunos evangélicos poderem ter uma alternativa ao ensino religioso, então atribuído em exclusivo à Igreja Católica. Entre os primeiros contactos, em 1983, até à constituição da COMACEP (inicialmente formada com representantes da Aliança Evangélica Portuguesa e do Conselho Português de Igrejas Cristãs) em 1988, João Pinheiro acompanhou todos os passos que conduziram à formação das primeiras turmas de Educação Moral e Religiosa Evangélica no ano letivo 1989/1990. Pertenceu à Direção da COMACEP durante vários anos. João Pinheiro, foi também um empenhado promotor das Sagradas Escrituras através da sua presença nos Gedeões Internacionais em Portugal.
Desaparece a 23 de setembro de 2018 um homem que, para além de membro dedicado da sua igreja, foi cultor de um espírito de verdadeira cooperação interdenominacional, tendo alargado esse mesmo sentido para um contributo à polis, o qual será decerto reconhecido durante muitos anos por todos os cidadãos de Faro, terra que adotou como sua.
Timóteo CAVACO
com Rúben Baptista de OLIVEIRA