Discurso pronunciado pelo eminente escritor e orador sr. Eduardo Moreira, no Culto Comemorativo do 9 de Abril

Senhor Comandante Jaime Atias, ilustre representante de Sua Exce¬lência o Senhor Presidente da Répública

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Escolhido pela Juventude Evangélica Portuguêsa para fazer o discurso oficial desta sessão, cumpro o hon¬roso encargo saüdando-vos em nome desta parcela esperançosa da juven¬tude de Portugal que, como nova Ala da Madressilva ou Ala dos Namorados, pretende, enamorada por um ideal de valor eterno, espalhar no ambiente português o aroma fragrante do seu ideal.

Senhor: Saudo-vos como cidadão e como cristão; como cristão sempre respeitando as autoridades que, no di¬zer inspirado de São Paulo, são mi¬nistros de Deus para a realização do Bem Público; como cidadão, ansiando por melhores dias, de paz, de trabalho, de progresso, de amor, para a querida terra de Portugal.
Senhor:

Minhas Senhoras, Meus Senhores:

Uma vez em Paris, sob o Arco do Triunfo da Estrela, senti, como nunca antes sentira, o erro chauvinista das nações que, por êle, deformam o ver¬dadeiro e saudável nacionalismo. No¬tei, na lista das vitórias de Napoleão, o nome de Almeida, e revoltei-me ã ideia de que se punha em relevo bron¬zeo uma derrota dos Portugueses, ocultando-se as vitórias que sôbre as armas francesas ganhámos pela mesma época.

Mas era injusto no meu pensamento, pois jamais me revoltára pela ideia patriótica, que vira tantas vezes exte-riorizada entre nós de igual maneira. E assim que pude reconhecê-lo vi cla¬ramente que toda a lição da História, tanto das vitórias como das derrotas, quando sinceramente apresentada, no são desejo de acertar e num veraz amor, sem paixão nem dolo, é grande, e forte e útil e santa.

Não ocultemos a derrota moral dos nobres de 1580, que com isso mais alto veremos erguer-se, se é possivel, a firmeza do caracter popular de en¬tão. Lembremos Alcacer-Quibir: até nessa página escura quanta grandeza veremos, no sonho estouvado de D. Sebastião, quanto entusiasmo juvenil nos seus companheiros de armas!

E assim, lealmente, proficuamente, que deveremos encarar a sublime retirada do 9 de Abril. A sua história ainda não está feita com serenidade, e creio que é cedo para a fazer. E não sou eu competente para acrescentar qualquer pedrinha à estela funerária mas altiva que o historiador futuro erguerá a êsse doloroso e belo passo da nossa história militar.

Mas fez bem, muito bem, a Juven­tude Evangélica Portuguêsa promo­vendo esta sessão, multiformemente significativa. De alma ainda jovem num corpo gasto pelos trabalhos e pelo esforço dado a um ideal mais amado do que a própria vida, sinto-me bem entre os jóvens promotores de tam galharda empresa, só lamen­tando não lhes trazer em gesto, em musica e em côr, as galas que ela merece.

Creio que o mais admiravel a con­siderar para nós, Cristãos e Portugueses, nesse 9 de Abril da Flandres, é o moral mantido através de tudo e apesar de tudo. É o esforço da Raça, o esforço moral desta familia de ser­ranos, que, como a Phenix da Fábula, ressurge das fogueiras das velhas in­quisições, e sente sempre a esperança sorrir em flôr nos seus lábios, e tem sempre um pensamento de conformi­dade e de resignação perante as mais cruéis contrariedades, sempre frugal e activa, sempre condescendente e modesta, seja nos areais do Norte Africano, seja no “inferno verde” do Nordeste Brasileiro, seja entre céu e agua, em luta com a saudade, a tor­menta e o escorbuto.

Fizestes bem, Jovens Evangélicos, em mostrardes com real nitidez, que quereis colaborar na vida da nossa Patria.

Quereis/ E isto ó tudo. Quereis, significa que sentis um dever. Quereis, significa que reivindicais um direito. Nós queremos. Cristãos e Portugueses, a Chama da Patria foi acesa em nos­sos peitos pela própria scentelha de Deus, do Qual procede, no dizer de São Tiago, “todo o dom perfeito e toda a dádiva excelente”. Transpor­taremos essa chama, alimentada pela própria seiva da vida, crepitante no hálito do nosso entusiasmo, por onde nossos passos forem. E com ela di­fundiremos nosso ideal de formação de caracteres íntegros e de reconsti­tuição da Patria, sob a égide do su­blime Evangelho de Cristo.

É certo que estamos numa socie­dade que ainda comporta o ateu, êsse que, como diz Ramalho, “é um filho que se cansa a convencer-se que não tem pai”. Vemos a rapariga portuguesa, na judiciosa observação de Eça, formando a sua educação moral no decorar palavras mortas, “cujo sentido lhe é tão estranho como uma língua ignorada”. Vemos sinceros Quixotes esgrimindo com moinhos de rotina, quando junto dêles há Fé que transporta os montes. E é dêste cadinho que terá de surgir um novo Portugal. E surgirá!

Passou o pesadelo da Grande Guerra e tivemos logo a apoteose da traves­sia aérea do Atlântico. Portugal vive; Portugal perdura. Pônhamos o pro­blema: O Cristianismo não fechou o seu ciclo. Portugal carece dum ideal nacional. Esse ideal tem de estar den­tro do Cristianismo. Esse Cristianismo tem de ser nacional. O Evangelismo é uma crise curativa do Cristianismo Tradicional. É uma obra de reforma que não terminou o seu ciclo e que já na nossa terra encontrou a sua fór­mula de ética peculiar. Essa fórmula está na difusão do mais humano e do único divino de todos os livros, aquele de que diz Tolstoi no livro “Os Dezembristas”, infelizmente desconhe­cido na nossa língua:

«Não há um livro como a Bíblia, para descobrir à criança êste novo mundo e prendê-la ao amor e ao de­sejo de saber… Não conheço livro algum que dê duma forma tão com­pacta e poética todas as fases do pen­samento humano…Repito que sem a Bíblia a educação da criança, no esta­do actual da sociedade, é impossível”.

Vêde, Jovens, que programa vasto e profundo! Evangelizar a Criança, evangelizar a Mulher, evangelizar o Povo, evangelizar o pensamento e a acção, a literatura e o coração vazio de Deus! E também evangelizar as colónias, pois a Soberania, segundo o direito moderno, é não só regalia mas compromisso.

Mãos a Obra, jovens!

Necessitamos de manter o nosso moral também, nesta luta amorosa e construtiva. Representando uma cor­rente interpretadora dêsse Cristia­nismo que em tão grande medida con­correu para a formação da nossa Pá­tria, desejosos do estabelecimento dum cristianismo sem peias estranhas nem exotismo de expressão, precisamos de preparar o nosso programa mínimo de respeitosa reivindicação e de cola­boração leal, programa bem português, dito em português e a portugueses.

Um dos heróis da Reforma Alemã chamava-se Oecolampadio, que quer dizer “lâmpadas de casa”. Irmãos e amigos, somos já em Portugal “lâm­padas de casa”; em nossos corações não arde fogo estranho, mas o fogo santo do amor a Deus e à Pátria: ao Deus Eterno e Infinito, expresso num culto feito na língua suáve e doce das nossas Mães, à Pátria que é feita dos que passaram, deixando um nobre exemplo, e dos que vivem e sofrem o dia de hoje, aos quais queremos ajudar a ser tão nobres como os que passaram e mais esclarecidos do que eles. Viva Portugal!

Eduardo MOREIRA
«Discurso pronunciado pelo eminente escritor e orador sr. Eduardo Moreira, no Culto Comemorativo do 9 de Abril»
Portugal Novo, 15 de Abril de 1928, Ano I n.º 5, p. 1.

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